quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Buenos Aires – "una pasión"


Eu gosto mais de Buenos Aires. É que eu fui pra Santiago, no Chile, com esta disputa interna pensando em quantas vezes eu teria escolhido ir, levianamente, a Buenos ao invés de passar dias de frenesi na banda chilena da América. Pois bem, o que eu suspeitava sobreveio. Eu gosto mais de Buenos Aires; quiçá da Argentina. Como eu não me interesso em absolutamente nada pelo futebol, não vou me enveredar por estes campos de acusações mais que desgastados que não me informam demérito algum para a localidade hermana. O fato é que Santiago se pareceu, pra mim, como uma metrópole qualquer, que assim como Madri é uma parte da Espanha que não tem quase nada de espanhola nem mesmo sua arquitetura, Santiago surgiu pra mim nada mais como qualquer outra boa cidade.

Então vamos ao que interessa: sabe o que eu gosto de Buenos Aires? A mistura, a identidade, aquela quase insistência em ser diferente, em ter um estilo, ainda que este estilo possa ser um mullet dos mais ridículos que você pode imaginar. E daí você pensa: tudo bem, é um mullet ridículo, numa terra que todos usam mullets. Mas meu amigo, devo lhe dizer, eu vi e fotografei cada um que qualquer ser senciente que o portasse deveria pelo menos suspeitar, que ali, no fundo, alguém estava rindo de você. E qual é a importância disso? Nenhuma! E isso me encanta nos argentinos.

Eu tenho a impressão que estão todos, voluntariamente, presos no anos 80/90. Vários carros de então, queimando na rua o seu óleo diesel, buzinando e ouvindo alguma rádio que toca rock também desta época ou algum sertanejo deles, que eu não curto, mas também acho identidade. Cabelos, como já dito, despropositadamente cortados à lá anos 80 e junto com eles, aquele orgulho pulsante da sua juba. Em Santiago, vi que todos usavam aqueles óculos, também oitentões, que se fossem tirados do armário da mãe há 3 anos, seriam motivo de algum tipo de fuzilamento sumário, e em Buenos Aires não, não vi ninguém nesta “febre da moda”, e isso me agrada. Sempre achei que a moda tem a função de ajudar os que não tem muito estilo a parecer que seguem algum.

Comer em Buenos Aires é uma experiência inefável! Parece que há paixão em cada empanada feita naquele lugar. A carne deles tem uma textura que me faz esquecer de toda e qualquer vontade de encabeçar um movimento pró-ruminantes. O vinho é o malbec, deliciosamente cultivado e inacreditavelmente barato. E o sorvete? O que dizer das pessoas que pegam o melhor doce de leite do mundo e mimetizam a textura, o sabor e acrescentando um pouquinho de gelo àquilo o batizam de helado de dulche de letche? É uma sobremesa que, junto com o pavê que minha mãe faz nas festas de família, tem a capacidade de romper a tramela da existência e me dissolver em uma profusão de cheiros, sabores e texturas inesquecíveis. Fecho os olhos e acabo de tomar uma colher do dulche, sentada a frente do Cemitério da Recoleta – que é uma galeria de arte à céu aberto – e mordi um pedaço de brownie, que foi outra invenção de alguém que deveria ser bravamente congratulado por: colocar um bolo no melhor sorvete do mundo.

Você aí que me conhece pode argumentar que uma pedra no meio do caminho entre o rim e a bexiga me levou embora mais cedo de Santiago e que eu não vi muita coisa além da dancinha do Josh, vocalista do Queens of the Stone Age, mas é que eu andei concluindo que cidades são como pessoas: você gosta de cara ou não gosta e pronto. Você pisa naquele lugar, dá uma olhada em volta, e se apaixona (ou não). O vento bate, um passante te olha com ternura, um cachorro que você ama atravessa a rua, vem o cheirinho de uma acalentadora comida típica, e pronto: você está pra sempre apaixonado por aquele lugar. Predestinado a voltar vezes e vezes e se sentir em casa.

Se eu não fosse gêmeos duplo, teria que cansar o leitor e começar inconteste um novo texto sobre: como é que um indivíduo que gosta de sempre conhecer lugares novos possui a idiossincrasia renitente de repatriar-se para tanto pragmatismo? Mas como não se explicam as paixões e as dubiedades de um geminiano, passo somente a imaginar qual feriado me levará ao Volumen 3 para que Jose faça aquele gracioso mullet na minha cabeleira!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Theodora, a exilada




Theodora foi exilada do que mais gostava no firmamento, e tudo que queria era voltar pro lar.

Rever suas plantas, seus livros, os amigos, o marido e curvar-se mais uma vez diante daquele Cristo Redentor que abençoava janela adentro o seus dias de deleite.

Sérias questões diplomáticas lhe separavam de seu éden e não tinha ideia do que fazer com todo aquele "tempo livre” que brotou do pior castigo que já lhe fora imposto.

Pensou que estudar seria uma forma de - ver o tempo passar com dignidade - e de repente a epifania: queria que o tempo passasse.

Lembrou dos entretenimentos graciosos – passeios, livros, conversas, vinhos, etc - e até mesmo daqueles de quinta categoria – tv, novela, fofocas, etc - que faziam a alegoria dos dias de pré-apartheid. Sentiu saudade deles mas não conseguiu deixar de pensar, neste momento em que a vida não lhe deixava mais nenhuma delicadeza, em quanto tempo jogou pro alto certamente na esperança de que dias melhores que aqueles chegassem.

Qual seria afinal o sentido de tantos cremes na penteadeira, pacotes de 1 ano devidamente pagos (em janeiro) na academia, semanais idas ao salão de beleza e visitas obsessivas ao cirurgião plástico se Theodora queria mesmo era que o tempo passasse?

A avó sempre dizia que tal programa de tv era bom porque “enterte a gente”. Entretenimento. Distração. Passatempo. Vocábulos que sempre lhe soaram muito estranhos.

Oscar Niemeyer disse: “a vida é um sopro”.

E agora, como viver com mais essa dicotomia?

O exílio lhe fez filósofa. Pensou e repensou tudo na vida. Quis afastar-se das coisas que lhe dis-traiam e sentir cada faceta da angústia que era estar separada do que era uma outra parte de si, talvez a melhor parte de si.

Qual aspecto de nosso ser nos impede de congelar o tempo agora mesmo e desenhar uma vida de significado, uma vida que queiramos olha-la nos olhos e não nos furtar dela?

Acordar: do latim, abrir os olhos pro mundo e pra alma – falseou Theodora aos seus quando resolveu resignificar o despertar. A partir deste episódio castrou os dias rasos lembrando-se do que diziam os antigos: todo dia é dia de iniciação.

Foto: Veneza, julho de 2011; Créditos: Melina.

A Dor na Coxia

A dor vem na fila do pão
Depois do nascer do sol
Quando te pega ainda de surpresa

Te preenche, te agarra, te judia
Você respira, engole o choro e pede o pão

Tenta se esconder dela passando por ruelas
Pega caminhos bonitos sugeridos num livro de auto-ajuda
Respira fundo, tenta imaginar uma taça de sorvete sem duas colheres

Até que da respiração, um soluço
Arrastando-se pelo chão
Espera alcançar o maior desafio da manhã: chegar em casa
Sem antes deitar-se em posição fetal no meio do parque

Entra em casa (cadê ela?)
Olha pro café e por mais que o pão esteja ali
O pão com café também já não faz sentido algum

A dor senta e se apresenta para o segundo ato, sai da coxia
Tristeza posta, a dor sangra por cada poro
Não adianta gritar
O grito não consegue chegar onde não há forças nem mais para sofrer

Almeja então o momento antes da alvorada
No qual seu sonho ainda media 1,87 m
Volta pra cama deles
E espera, pelo tempo que for, o dia em que o nós deixe de ser pronome
E volte a fazer parte

A Colecionadora de Ocasos - A Redenção



Um dia não suportou. Quis sair dali mais do que em todos os outros dias. Nem que fosse para cair janela abaixo. Algo teria que acontecer. A ideia da prosperidade financeira apesar de sensata, não conseguia lhe manter mais nenhum segundo sequer sentada, parada, atada. Quis ardentemente saber das janelas e dos pores-do-sol de Paris, Veneza, Roma, Reykjavik, Deli. Pensou, avaliou, controlou, ponderou e partiu.

Sim, poderia até entrar naquela jornada, mas não sem antes levar consigo os retratos daquelas tardes solitárias, mas preenchidas de rica doçura, pois lembrou-se do dito budista: "devemos celebrar as alegrias e as adversidades". Não sabia, depois de tantos anos de amargura, quanto de si era pesar, dor. - E se o descontentamente fosse sua espinha dorsal? Fosse o que lhe ainda dava algum senso de inteireza?  Decidiu que enquanto a beleza da alvorada insistisse em lhe ocupar os dias era melhor se precaver.

Descobriu depois de sondar algumas fenestras além mar que de fato aquele espetáculo vivia na miudez do seu quarto pra ser sentido somente por poucos ou talvez só existisse mesmo na poesia de seu mundo. Não testemunhou sequer um fim de tarde tão bonito como aqueles. Viu o sol descendente direto no mar, o viu se por entre as nuvens, viu coisa nobre, auspiciosa, mas nada como o que via em casa.
Era como um "segredo de liquidificador": estava delicadamente escancarado ali no infinito, mas cabia a quem tinha uma rolleiflex no coração afinar o olhar para compreender a beleza e o mistério.

Segura, entendeu que seu destino era pra frente e que a vida não costumava esperar por quem se acovardava dela. A alegria, o entusiasmo e a vontade se apresentaram e tornaram-se grandes amigas. Não queria mais viver na mediocridade da história que alguém embuiu um significado e jogou no mar, como aquela mensagem na garrafa, para que um qualquer tomasse como sua e cumprisse aquele chamado.

Entregou-se àqueles espaços dantes não percebidos, dia a dia. Buscou sentir a vida em suas amplas possibilidades. Experimentou gostos, lugares, pessoas. Voltou pra outra casa, mas não pro quarto. Ainda perdida, mas agora sem os solavancos de angústia que lhe tomavam a fala, conseguia bater um papo com o emérito desenhista e sentir. Hoje sente.

Sempre que visita aquela casa com cheirinho de tudo que lhe é familiar, de tudo que traz segurança, afago e ao mesmo tempo lhe apequena, sobe alguns degraus, respeitosamente entra no quarto vazio, salvo por alguns quadros na parede, espera o momento e checa o que o oráculo tem a lhe dizer. Se é um belo dia de sol de inverno, já sabe: tanta beleza só pode vir celebrar o fim de um ciclo. Perde o olhar no horizonte como em oração - entrega, confia, aceita e agradece. Aprendeu que se a vida de hoje se parece mais com uma história que vale a pena ser vivida, é porque em algum momento parou de resistir. Hoje compreende que o universo é uma entidade que parece ter um pouco mais de informações do que nós e que confiar é a chave motriz da felicidade.

Foto: Goiânia, setembro de 2012; Créditos: Melina.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A Colecionadora de Ocasos - O Purgatório






A colecionadora de ocasos não conseguia sair daquela que lhe parecia a melhor versão do dia: os crepúsculos vistos da janela de seu quarto. Apesar desta casa estar bem no centro da cidade, o que imperava ali era só o que lhe dava gosto no mundo: árvores, horizontes, inspiração. Nada de concretos, carros ou livros chatos.

Sim, livros chatos. Os dias de sol, de chuva, nublados, quentes ou frios todos eram passados da mesma forma. Curvava-se diante do destino que a fez bacharel em direito, ofício ao qual não nutria apreço - mas que lhe daria o seu sustento, assim diziam - e estudava todos os dias para conseguir alcançar "um lugar melhor na vida".

Não tinha motivação. Tentava arranjar uma. Um carro melhor, carreira, casa, viagens. Durava por um tempo, mas não o suficiente para evitar o choro que acontecia em todos os intervalos de estudo. Enquanto as pessoas faziam intervalos para se alimentar, para preencher, seus intervalos eram pra esvaziar a imensa tristeza que sentia por passar o tempo ali. Chorava, chorava, enxugava as lágrimas. Lembrava das contas a pagar e seguia na infelicidade daquela saga.

Já tinha um emprego, mas acreditava que a vida só seria boa o dia que ela se encontrasse com o sonho dos outros. Com o sonho capitalista, o sonho de seus pais, irmãos, tios, amigos, até do dono da padaria. Aquilo era algo que permeava a vida de qualquer um, mas não a dela. Mas a infelicidade era tão esperada, bem-vinda, que escorava-se na certeza dos outros para viver uma vida que não queria.

O seu refúgio desenhava-se por alguns minutos no cair de cada tarde. Era ali que podia se esconder dos tristes e longos dias de espera e se entregava a um desfile de cores, desenhos e sombras que dançavam no céu à sua frente. Aquele etéreo monólogo lhe trazia o presságio que o entalhador de sua vida só podia estar lhe apresentando coisa melhor. Pensava: ele não faria isso tudo no céu se não fosse pra me dizer coisas bonitas. Sentia a impermanência, mesmo que não reconhecesse nenhuma de suas facetas. Uma mudança brotava dentro de si.

Todos os dias assentava-se na poltrona da fileira A e se perguntava se o auditório estaria cheio (haviam outros miseráveis esperando um milagre?), com algumas cadeiras preenchidas (poucos miseráveis?) ou se o frenético movimento da metrópole não permitia que o profético presente fosse entregue a mais ninguém além dela (a única miserável).


Foto: Goiânia, maio de 2012; Créditos: Melina.